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O blogue do programa de música pop em português
da Rádio Centre-Ville FM, 102,3, Montréal.

30.9.04

REVOLUÇÃO DOS CRAVOS E O POP

Se não fosse a Revolução dos Cravos , Portugal e os portugueses seriam em tudo diferentes, incluindo na música. A pessoa do bem Katia Abreu discorre em artigo superbacana no fanzine B*Scene os rumos que a música popular portuguesa tomou depois da revolução e defende o argumento de que o pop português seria (ainda) mais triste sem a democracia - claro, né.

Segundo Katia, nomes como o rapper Sam the Kid (site de fã), Três Tristes Tigres ou Heróis do Mar não teriam surgido sem a Revolução, mas paradoxalmente alguns artistas, meio que deslumbrados com a abertura, esqueceram suas origens, no que ela denomina o "complexo de europeu". Aí voltamos ao debate já abordado aqui no parababélico sobre cantar em inglês...

21.9.04


parada das rádios brazucas na MusicCity Posted by Hello

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Contrariamente à sabedoria popular (que no mais das vezes dá bola fora, mesmo que por vias tortas esteja, digamos, correta), gosto é uma dos coisas que mais se discute - em todos os âmbitos. Na verdade, briga-se feio por questões de gosto, e a turma do deixa-disso, em se tratando de debater o valor de Strokes versus Leonardo, ou Céline Dion versus Roberto Carlos, dá logo a boiada pra entrar no ranca-rabo, ignorando a modéstia e os bons costumes e disparando disparates com sua metralhadora de estereótipos a torto e a direito e à esquerda. A esquerda, por sinal, é a primeira a desencavar chavões arcaicos contra a "dominação estrangeira" e discursos afins que ficariam muito bem numa cartilha do extinto CPT, que deus o tenha.

Eu comecei a pensar nisso tudo por causa, naturalmente, do gosto musical. Porque quando me deparei com a parada das rádios brasileiras e tentei fazer uma pequena análise chinfrim, entrei num conundrum dos bons. Não existe um crítico, um só, veja bem, um único crítico, seja ele acadêmico ou jornalístico, que "aprove" a parada de sucessos de lugar nenhum. E nunca haverá. Tem a questão de classe social, que é relativamente fácil de destrinchar. A crítica, especialmente no Sul Maravilha do Brasil, faz parte daquela camada média bem-educada que freqüentou colégio particular e fez faculdade e quem sabe até uma pós na PUC, e neguinho (branquinho?) se coloca acima do gosto popular (o contemporâneio, o do passado é sempre mitificado), com honrosas exceções (quem? me conta).

Ou seja, euzinha, por mais que odeie e resista, ou mesmo por causa disso, faço parte dessa cambada privilegiada de sem-noção, que passou a adolescência mamando rock inglês e portanto não suporto sertanejo e fica difícil analisar quando parece que sou eu, um "indivíduo independente e autônomo", que não gosto de sertanejo ou axé por razões puramente estéticas; e não eu, mero amontoado de preconceitos de classe, que desprezo o que "vem de baixo". Como alguém já deve ter percebido, isso é puro Pierre Boudieu versão blog, mastigada, superficialzinha. Porém correta, a seu modo. Porque existem sempre vários corretos. O crítico que diz que Sandy e Júnior - o nosso número 1 - é de doer de tão ruim está certo (e está travando o bom combate social); e também quem chega e diz que a camada intelectual brazuca detesta Sandy e Júnior por conta da identificação completa e inconsciente com os valores da classe média intelectualizada e "bem informada", sempre buscando a vanguarda, também está certo.

Bordieu analisou a classe média francesa dizendo que seus integrantes estão sempre numa espécie de malhação contínua para ficar melhor, sempre se informando, estudando, correndo atrás. De forma que o que é bom no verão tende a deixar de interessar no outono, principalmente se desliza e se torna popular demais, esvaziando seu valor de "gosto de elite", que eliminaria a "distinção" entre as classes. Isso tudo fica bem melhor porque é manifestado como "natural", "estético". Nego diz "Leonardo não presta porque ______________ (coloque aqui sua condenação favorita: é sempre igual, as letras são pobres, é brega, a superprodução não tem nada a ver com música caipira autêntica, é comercial)." Nunca alguém diz "não gosto porque não pertence à minha classe".

E tem ainda outro lado da parada de sucessos acima: maioria absoluta de música nacional. Pra pensar sobre isso eu precisaria de mais espaço e mais tempo e mais disposição e mais conhecimento. Só um toque: é bacana. E é fenômeno quase único no mundo.

Por fim, quem tiver reflexões tortas sobre as paradas portuga e quebecoise e brazuca mande-as. "Gosto é como o c*, cada um tem o seu", diz o ditado, mas a gente pode e deve cutucar as partes, afinal é gostosinho - e muitas vezes necessário...

20.9.04


 Posted by Hello

PODE CATAR, É NA FAIXA

Começou com o movimento do software livre, e agora abarca música e texto. A idéia de que a propriedade intelectual pode ser compartilhada sem custo, ou até, nos veios mais radicais, que existe criação intelectual, mas não propriedade. Grosso modo, os visionários defensores do chamado copyleft acreditam que abrir um produto cultural e desvinculá-lo de fins comerciais possibilita perspectivas revolucionárias para a fomentação da criatividade. E tem gente abraçando a causa e dando de graça o produto de seu suor.

O rapper BNegão é um deles. Dá para catar o seu disco novo, Enxugando Gelo, sem desembolsar um tostão. BNegão é esperto, antenado e acima de tudo, um grande artista.

E o coletivo brasileiro Re:Combo entrou na onda disponibilizando textos, imagens e sons pela rede. E tem mais gente no Brasil Varonil atacando no front pela música, dá uma olhada nesta matéria da Folha de S.Paulo.

"A fruição da música (e não só) está a mudar, a 'cultura de massas' deixa o lugar livre para uma nova forma de cultura 'popular', na qual contam sempre mais as exibições ao vivo, as redes solidárias, a partilha, o do-it-yourself (auto-produção, auto-distribuição, passa-palavra) e, no fim de contas, pouco importará saber quem compôs ou escreveu o quê. O artista será cada vez menos um Divo (o Autor) e cada vez mais um jogral, trovador, bardo, griot." Este foi o grupo italiano de criação literária coletiva Wu Ming.

14.9.04

SÍNDROME DO REFUGIADO

Identificada em 1876 pelo dr. James Onofre, é um distúrbio que acomete exilados, refugiados, apátridas, viajantes, turistas, desterrados, imigrantes e afins. A epidemiologia ainda não está definida, mas pode atingir praticamente os 100 por cento da população deslocada de seu lugar de origem em algum momento da vida. A hipótese para a causa da doença é a deficiência de estímulos musicais familiares. A síndrome manifesta-se por uma súbita apreciação de sons familiares antes detestados. O quadro clínico inclui sintomas como: a vítima do mal põe-se inconscientemente a tamborilar os dedos ao ouvir "O Barquinho" em um café em Viena, ou cai na dança da garrafa ao distinguir acordes do "É o Tchan" em uma padaria de Montreal, ou ainda chora ao ouvir Lulu Santos no rádio em um solitário apartamento em meio ao inverno de Nova York. O diagnóstico se completa quando a vítima, embaraçada, admite que na verdade odeia a música que provocou a reação nostálgica. O medicamento recomendado é o Parababélico.

Indicações: antitédio, anticaretice, antibrega, anti-síndrome do refugiado, antinostalgia.

Contra-indicações: em pacientes com reconhecida hipersensibilidade ao novo e à experimentação.

Precauções: pacientes com problemas de mau gosto podem ter seus sintomas exacerbados pela audição de música boa.

Interações medicamentosas: o produto não deve ser administrado a pacientes que curtem uma fossa e estejam em uso de doses altas de dor-de-cotovelo.

Reações adversas: podem ocorrer reações próprias dos estimulantes da imaginação: compulsão de dançar, curiosidade exacerbada, insuficiente reação à música chata.

Superdosagem: não há.

Posologia: recomenda-se 30 min por semana, sempre às sextas-feiras, às 18h30 em Montreal.

A droga da hora Posted by Hello

11.9.04

PARABABÉLICO EXPERIMENTAL

Fizemos ontem o programa "em caráter experimental", eufemismo para um certo grau de improvisação que rolou, uma vez que fomos chamados de última hora. Mas foi muito bom fazer, e tivemos uma receptividade ótima. O tema foi VOZES MASCULINAS. Estaremos no ar oficialmente só a partir de outubro, mas vão rolar algumas entradas às sextas-feiras "em nome" do Parababélico, por assim dizer.

A lista do que foi ao ar:

1. Gaiteiros de Lisboa - Era Não do Tamanho de um Pardal (Macaréu, 2002)

2. BNegão e os Seletores de Freqüência - Enxugando Gelo (Enxugando Gelo, 2003)

3. Mombojó - Duas Cores (Nada de Novo, 2004)

4. Quinteto Tati - Valsa Quase Anti-Depressiva (Exílio, 2004)

5. Ney Matogrosso e Pedro Luís e a Parede - Transpiração (Vagabundo, 2003)

6. Paulo Bragança e Carlos Maria Trindade - Névoa (Onda Sonora: Red Hot Lisbon, 1999)

Valeu pela audiência!
Quem quiser mandar dicas de coisas que a gente deveria estar de olho (ou de ouvido) fica à vontade aí, tá?

9.9.04

WARMING UP THE TAMBOURINES

É música portuguesa se for em inglês? Vale fazer música brasileira cantando no idioma ianque? Tem bossa, batucada, fado ou morna de língua enrolada? E roque pode ser MPB?

Pra mim a pergunta está errada. Porque o fato é que tem música no universo luso sendo produzida em inglês. Tá lá pra todo mundo ver: é o portuga Belle Chase Hotel, são inúmeras bandinhas indie paulistanas, e quem não se lembra da Astrud Gilberto, nos idos dos anos 60, gravando nos EUA com sotaque e letras traduzidas de gosto duvidoso? Se existe é fato consumado. A pergunta certa então seria: por que e como esse pessoal optou por colocar a língua pátria no armário? E quem está fazendo isso? É no morro? É no Bairro Alto? É em Olinda? É nos Jardins? No Capão Redondo? É com roque, hip-hop, bossa nova, samba?

Quem faz faz por questões de mercado, claro, o que nem sempre se traduz na opção mais esperta, considerando-se que muitas vezes o mercado fonográfico internacional se interessa mais por sons "exóticos" em um idioma "estranho". E também por razões de uma paradoxal "autencidade". Tipo, só é rock quando soa como uma banda inglesa ou americana. Mas daí a suposta "autenticidade" do indivíduo como criador vai pro saco? E também tem quem faça por ideologia, que leva a gente a pensar em dominação cultural e classe social. E nesse momento começa a dar nó, porque, pelo menos no Brasil, quanto mais grana se tem, mas se parece propenso a ceder à hegemonia gringa... Ou tou errada?

Mas engraçado mesmo é que ninguém disputa a autenticidade de uma Björk (ou ABBA?). E vai em Belo Horizonte e tenta dizer pra mineirada que o Sepultura não é de lá... Neguinho cai de pau. Scorpions (ui)? E os franceses do Air? E Mozart? Don Giovanni é menos alemã porque não chama Herr Johannes?

Mas essa problemática toda está com pergunta demais e resposta de menos. E afinal comecei a pensar nisso pra poder decidir se toco no programa coisas criadas por artistas do mundo lusófono que resolveram singing in the rain - e que tempestade, mano.

E a solucionática é: vou tocar sim, se quiser e se gostar e se pedirem e se agradar. Porque leio Joseph Conrad e Samuel Beckett. Porque, no fim, criar esse tipo de exclusão é sempre sectário e banal.

Que é que tu achas? Dizaê.

3.9.04


Funkeira Tati Quebra-Barraco. " Sou feia mas tou na moda". Grande Tati. Posted by Hello

FUNK CARIOCA

E num é que no outro dia tou numa festinha ali na Avenida do Parque, meio chata por sinal (tocaram até Cat Stevens, aquele que se converteu ao Reino do Islã e agora chama Yusouf Islam) e o rapaz dono da festa vira e comenta, "Ah, tava lendo um artigo sobre os bailes funk do Rio", e eu, ingênua, sempre achando que todo canadense é bem educado (nos dois sentidos), "Mess? Nunca fui, sacumé, morando em São Paulo, mas adoraria..." E ele, "Não, você está falando de outra coisa com certeza (!!!) Porque esses bailes que eu li a respeito..." Aí eu interrompi, já sabendo que ia rolar o lengalenga sobre tiros, gangues, letras chulas e o caraio a 4, e disparei um discursinho meio irritado sobre como o preconceito contra música de preto e pobre é mesmo um saco, e que as pessoas sequer se dão ao trabalho de se informar direito sobre o que tão falando.

Bom, não vou aqui falar mais sobre o funk porque seria burro e paternalista e boçal. E o funk carioca não precisa de mim, de repente sou eu é quem preciso do funk carioca.

Vou mais é cortar e colar: "Tem uma coisa que é essa batida que se fez no Rio: devoraram miami bass e devoraram a música black mesmo, e nos devolveram o funk carioca, que é essa batida forte que parece um miami misturado com maculelê, sei lá o que é aquilo! Essa batida pra mim é do maculelê, aquela coisa da capoeira que neguinho fica brigando com facão. Então é evidente que isso no Brasil funciona, tá na cara, ou não teria baile todo domingo, a torto e a direito e pra tudo quanto é lado. Imagina como aquilo deve soar no ouvido daquele pessoal [os gringos]. Talvez seja um pouco como soa o dancehall pra eles, que é mais ou menos o mesmo assunto. É totalmente diferente do funk carioca, mas é o mesmo assunto.

"Mas é lógico que a classe média odeia funk. O funk é a negação da fórmula básica da música brasileira. Aquela harmonia complexa, aquela coisa Djavan, João Gilberto, João Bosco, Chico Buarque... Tudo isso é muito complexo. Tem aquele lirismo, aquela coisa que os meninos dos Los Hermanos têm. Isso é música pra classe média. Mas tem uma coisa pra mim muito mais forte de preconceito contra o funk como música de pobre, do que contra a qualidade da música."

Esse foi o Nego Moçambique, que não é funkeiro, mas faz música eletrônica. Aqui você lê a entrevista completa.

E pra quem precisa do um apoio argumentativo bem classe média, cate aqui um artigo bem acadêmico do antropólogo Hermano Vianna, escrito nos idos de 1990. Tá em PDF, visse?

O Atlantis Tendamix é um site esperto sobre cultura dance no Rio.

E finalmente, SIM!, vai rolar funk no programa sim.

2.9.04

AGORA É PRA VALER!

A rádio acabou de confirmar: O Parababélico vai entrar no ar a partir de outubro. Yay!

1.9.04


os rapazes da tribo Posted by Hello

TRIBO DE JAH - REGGAE DO MARANHÃO

São Luís do Maranhão, assim como Montreal, assim como os Açores ou Cabo Verde, é uma ilha. Fica bem aso Norte do Brasil, embora oficialmente seja Nordeste. E tem acesso fácil para as Antilhas - vai daí que o reggae virou tradição por lá, escapando no Mar do Caribe e aportando na águas do Atlântico.

Há 15 anos, quando o reggae estava já em alta por lá, encontraram-se na Escola de Cegos do Maranhão quatro músicos cegos e um quinto com visão parcial. Os alunos internos da escola formaram a banda Tribo de Jah, que hoje goza de estrelato no cenário pop brasileiro.

O raggae maranhense, como toda música de pobre e preto no Brasil, teve que batalhar para ser reconhecido, mas hoje algumas bandas defrutam de alguma fama, senão dos bons olhos da crítica. Com algumas influências locais e letras tradicionais de paz e protesto, acabou se espalhando pelo Estado do Maranhão e Brasil afora.

Saiba mais sobre a Tribo de Jah no site oficial da banda