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O blogue do programa de música pop em português
da Rádio Centre-Ville FM, 102,3, Montréal.

18.6.05

MUTEK, UM PASSO ATRÁS

Quando eu comecei a prestar mais atenção em música eletrônica, uma das coisas que eu achei mais legais foi a mudança de paradigma no eixo criação/ fruição (ou produção/ consumo). Pra começar, neguinho não precisava de dez anos de treinamento formal ou informal pra dominar um instrumento, e um fã poderia facilmente se tornar o artista. Depois, o artista ou "produtor" tendia a se enconder atrás de inúmeros apelidos, se tornando virtualmente anônimo. A fruição da música, em festas, raves ou clubs, se dava através do canal do DJ, que, mesmo sem ser completamente anônimo, não chegava com a aura do Artista. E a experiência da fruição de música era de imersão total: o ambiente, os sons, as pessoas, as luzes, as drogas, tudo contribuia para que a música, mesmo sendo o elemento mais importante, nunca ultrapassasse o todo, a intangível vibe. A audiência, portanto, era ativa e participante, e influenciava a performance improvisada do DJ.

Depois as coisas foram mudando. Apareceu o superstar DJ, e os produtores foram ficando cada vez mais cheios de si e exigindo crédito para sua pretensa genialidade. Chato. O Mutek, um dos mais importantes festivais de música eletrônica do planeta, apareceu mais ou menos nessa época - fins dos 90 início dos 00 - pra preencher a lacuna de eventos em que o produtor de música eletrônica não está lá pra garantir a vibe, mas sim pra mostrar seu conhecimento, seu virtuosismo e, hehe, sua pose - ele é o centro das atenções. Mesmo assim é legal, a música tende a ser bem-feita e interessante.

Este ano, porém, rolou o extremo: o Artista se punha diante do público, que respeitosamente ouvia tudo sentado, olhos fixos no músico cercado de pilhas de equipamento imponente e intimidante. Antes do ínicio das apresentações, o silêncio total da platéia era exigido, com shhhs e shut-ups. A agência do público se resumia ao órgão auditivo e visual.

Eu entendo a proposta, mas não é a minha praia. A postura de respeito, a hierarquia entre público e artista, a falta de agência do público, tudo isso eu acho um retrocesso. Podia muito bem ir ao museu assistir a um concerto de música eletroacústica. Pelo menos lá, os músicos não exibem tanta atitude...